terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Uso de celular e e-mail fora do horário de trabalho pode gerar hora extra?


Para especialistas, empresas devem definir regras para controlar jornada.

A Lei 12.551, sancionada em Dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, que dá os mesmos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como hora extra, adicional noturno e assistência em caso de acidente de trabalho, para quem exerce trabalho remoto, ou seja, em casa ou à distância, usando computadores, telefones, celulares e smartphones, deixou lacunas em relação ao controle da jornada de trabalho.

Para especialistas na área de direito trabalhista, para se evitar uma avalanche de ações na Justiça em relação ao pagamento de horas extras, o empregador precisa definir todas as regras em contrato, fornecer todo o equipamento necessário, com atenção às normas de saúde e segurança, e estabelecer formas de controle do trabalho.

“A empresa tem que oferecer todas as ferramentas necessárias para o trabalho, como computador, internet, telefone, material de escritório e, se for o caso, indenizar pelas despesas com o uso da residência para funcionamento do home office. Já o funcionário tem que cumprir a jornada e as tarefas normais de trabalho, como faria se estivesse na empresa”, diz a advogada trabalhista Maria Lúcia Benhame.

“A dúvida permanece quanto à forma de controle da jornada de trabalho, pois a legislação considera o tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, exercendo ou não efetiva prestação de serviços. Como lidar, por exemplo, com o trabalhador que durante algumas horas do dia exerce atividades particulares, preferindo cumprir suas tarefas à noite ou com aquele que tem por hábito adiantar tarefas no domingo?”, diz Fernando Borges Vieira, advogado do Manhães Moreira Advogados Associados.

“O trabalho em home office se apresenta incompatível com o controle de jornada, devido à separação física e à dificuldade em se distinguir o que seriam horas de lazer e descanso e horas de trabalho. No entanto, se no contrato de trabalho escrito houver fixação de jornada de trabalho e a empresa fiscalizar através de e-mail, telefone ou sistema que permita ter a exatidão dos dias e horas trabalhados, haverá o direito a horas extras ou adicional noturno”, diz Daniela Ribeiro, sócia do escritório Trigueiro Fontes Advogados.

Veja abaixo o tira-dúvidas com respostas dos especialistas

A empresa deverá fornecer todo o equipamento para o trabalho remoto?

Daniela Ribeiro: Estamos falando de ferramenta de trabalho e o empregado não deve arcar com nenhum custo. O empregador deve fornecer todo o equipamento necessário (computador, impressora, material de escritório) e o mobiliário deve ser ergonomicamente adequado em atenção às regras de saúde e segurança do trabalho.

Fernando Borges Vieira: Sim, tratando-se de trabalho exercido em favor do empregador, o fornecimento dos equipamentos de trabalho e a manutenção deverão ser de responsabilidade do empregador. A condição é favorável ao empregado, na medida em que não terá despesas com a aquisição e manutenção de equipamentos, e ao empregador, que poderá exercer controle sobre o uso de seus equipamentos e as atividades do empregado.

Maria Lúcia Benhame: É essencial que a empresa acesso a internet, linha telefônica fixa e/ou celular e outros meios necessários.

O empregador deve arcar com os gastos da internet, luz e manutenção de equipamentos na casa do empregado?

Daniela Ribeiro: Cabe à empresa a manutenção dos equipamentos utilizados no home office, contudo, o ideal é que exista previsão contratual de que os equipamentos sejam utilizados pelo empregado apenas para o trabalho, sem permissão para utilização no âmbito pessoal. Quanto às despesas com internet e luz, o ideal é o rateio de forma proporcional, já que não é possível medir exatamente o uso pessoal e o profissional do empregado. É aconselhável que o contrato de trabalho também preveja como será o rateio e a forma de custeio pela empresa (por pagamento direto ou reembolso) para dar segurança e evitar eventual classificação como salário indireto.

Fernando Borges Vieira: Sim, pois são gastos realizados em favor do empregador, os mesmos que ocorreriam em caso de a prestação de serviços ser realizada na sede da empresa.

Maria Lúcia Benhame: Sim, esses gastos devem ser mensurados e indenizados.

O uso de smartphone, rádio, celular corporativo e notebook fora da jornada de trabalho combinada conta como tempo trabalhado?

Daniela Ribeiro: O simples fato de o empregado fazer uso desses equipamentos, fora do horário de trabalho, não implica, necessariamente, em horas extras, pois ele pode estar em qualquer lugar e não a serviço do empregador ou aguardando ser convocado. Em todo caso, a frequência e o contexto das mensagens devem ser analisados. Se é uma situação muito rotineira o empregado recebe e-mails fora do expediente contratado, com conteúdo que indica que a resposta deveria necessariamente ocorrer naquele momento, pode-se concluir que ele estava trabalhando. De outro modo, se ele respondeu a mensagem fora do expediente, mas não precisava fazê-lo, não se entende como tempo à disposição da empresa. Isso porque é fácil manipular o tempo no espaço digital, "criando-se" trabalho fora do expediente normal mediante, por exemplo, o envio de e-mails tarde da noite e em finais de semana, de forma desnecessária e com a intenção exclusiva de configurar trabalho em hora extra.

Os juízes costumam adotar uma média horária, por dia, se a quantidade de mensagens eletrônicas trocadas fora da jornada combinada é habitual. Outra opção seria estabelecer um adicional fixo para remunerar eventuais horas extras ao empregado.

Fernando Borges Vieira: É preciso saber se o empregador exigiu, de fato, o desenvolvimento de alguma tarefa e se o empregado teve mesmo de desenvolver atividade fora de sua jornada. Por exemplo: se o empregador enviar um e-mail a determinado empregado para que ele não se esqueça da reunião do dia seguinte, não me parece ser razoável pensar em hora extra; contudo, se o empregador envia um e-mail, além do horário de trabalho, para que o empregado prepare uma apresentação para a reunião do dia seguinte, me parece justo considerar como trabalho extraordinário.

Maria Lúcia Benhame: Sim, se o aparelho for efetivamente acessado para trabalho. O simples porte não gera direito a horas extras, a não ser que o empregado não possa sair de uma determinada zona geográfica ou da sua própria casa com o aparelho.

O empregado contratado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação que regula o trabalho com carteira assinada no Brasil, tem direito ao pagamento de hora extra com acréscimo de, no mínimo, 50%, de segunda a sexta-feira, e 100% aos domingos e feriados.

Por quanto tempo a empresa pode acumular as horas extras até pagar o funcionário?

De acordo com o juiz, normalmente devem ser pagas no mês seguinte ao da prestação do serviço, exceto se a empresa tiver ajustado junto ao sindicato de classe dos empregados o chamado banco de horas extras. Nesse caso, as horas extraordinárias realizadas convergem para a conta que o empregado tem no banco e devem ser compensadas em até 12 meses da sua realização, sob pena de serem pagas.

As horas extras são as campeãs de ações na Justiça, de acordo com o juiz da 26ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, Marcelo Segal. “Os empregados alegam que realizam horas extras, mas elas não são pagas ou são quitadas parcialmente”, diz.

Fonte: G1